quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Reforma Ortográfica


Altamente emblemático o fato de Lula da Silva ter assinado o acordo que impôs a tal reforma ortográfica aos países de língua portuguesa. E na Academia Brasileira de Letras! Mas não deixo sua ignorância como álibi - essa reforma é o lado ridículo e caricato de um projeto globalista de massificação cultural e centralização do poder que está em curso, do qual o sr. Lula é agente ativo e consciente.
Já não bastassem a reforma política, a reforma partidária, a reforma agrária, a reforma do Palácio da Alvorada, a reforma dos apartamentos funcionais, agora mais essa!
Simplesmente suprimiram um sinal fonético imprescindível, empobrecendo a língua escrita e comprometendo a falada. Leia em voz alta: "O carro enguiça e você come linguiça". Não há mais sinal gráfico correspondente ao som güi. Leremos pingín, lingíça, agénto... Logo o trema na letra u, tão simpático, como um sorriso - ü.
Caiu o acento que diferencia pára e para, como em "Ele pára o carro / ele para o carro" ou "ele tem pêlos brancos / ele tem pelos brancos". Exercitaríamos nossos dons adivinhatórios lendo a manchete "Resolução controversa para conflito no Iraque". O acento do magôo foi pro beleléu; assim eu magoo, coisa de dar enjoo. Há outras aberrações: autorretrato, antissemita, voo, eles veem. E se for um estrangeiro tentando ler, ou mesmo uma palavra que você desconhece a pronúncia?
Desde quando é vantajoso suprimir diferenças culturais, empobrecendo a língua? Qual a dificuldade em se ler "acção"?
Tais mudanças foram IMPOSTAS sem o aval do USO, portanto são inexeqüíveis. Qual é a pena a quem descumprir a "lei"?
Para finalizar, um artigo de Percival Puggina:
A golpes de ortografia, por Percival Puggina

Ufa! Demorou quase duas décadas! O acordo ortográfico entre os países de língua portuguesa foi assinado em 1990, referendado pelo Congresso Nacional em 1995 e tivemos que esperar sentados, até agora, para que finalmente entrasse em vigor. Não houve clamor popular nem marcha até Brasília que acelerasse processo tão urgente e tão indispensável à coesão universal do nosso idioma. Cheguei a tentar uma greve de fome que se desmoralizou perante uma bomba de chocolate. Mas não há mal que sempre dure. Já iniciamos a contagem regressiva para janeiro de 2009, quando o acordo entrará em vigor. E então, concluída a sutura no nosso corpo idiomático, a última flor do Lácio, inculta e bela resplandecerá perante o mundo seu uniforme encanto. E nossos bebês, como os pequeninos de Portugal, passarão a ser bebés...
Preparemo-nos, então, para a penosa tarefa de reaprender a escrever. Queriam o quê? Não se fazem pastéis de santa clara sem quebrar ovos, ora pois. É um sacrifício mínimo para solucionar problemas máximos do nosso cotidiano. Toda santa vez que a gente folheava o jornal de Cabo Verde, o Jornal das Ilhas, ou o Notícias de Moçambique, era aquele problemão! A maldita falta de unidade ortográfica nos fazia indagar sobre o que seria uma jiboia, dado que da cobra jibóia não podia se tratar. Todos os textos de Guiné-Bissau que nos caíam nas mãos eram incompreensíveis devido à mania de escrever acção em vez de ação.

Contam-me que quem está festejando a novidade é a Microsoft, cujo programa Word, dispensando certas variações idiomáticas, dará uma boa simplificada no seu corretor ortográfico. Nada se comparará, no entanto, ao conforto que me trará a amputação do trema na palavra seqüência. Na minha idade não era mole subir quatro andares no teclado para pressionar aqueles dois pontinhos, saltar em seguida para o acento grave, e voltar às pressas aos andares das letrinhas. Agora acabou. Escreveremos como todo cabo-verdiano.

Fim das ironias. A quem interessar possa: considero esse acordo ortográfico o cúmulo da falta do que fazer. Coisa de desocupados. Um amigo meu, sujeito desconfiado, desses que vê maldade em tudo, está convencido de que se trata de uma sinecura. “De algumas editoras? Não, imagina...”, comento eu. O fato é que nunca tão poucos atrapalharam tanto, sem qualquer motivo sério, a vida de tantos! Trata-se de uma agressão pessoal a dezenas e dezenas de milhões de pessoas que, em anos de estudo e com muito sacrifício, automatizaram hábitos de escrita e escrevem o idioma conforme lhes foi ensinado. Aliás, 230 milhões de pessoas serão afetadas pelo acordo e 180 milhões (quase 80%) são brasileiras. A perversidade, levada ao grau máximo, deu nisto: enche-se a paciência dos 100%.

Com que direito? Para quem trabalha escrevendo será o mesmo que, para os músicos, mudar a ordem das notas na escala. Em poucos dias haverá apenas alguns indivíduos no planeta que saberão escrever corretamente no idioma português – aqueles que criaram essa droga de acordo. Tudo que tenho redigido e arquivado ao longo de décadas, gigabytes de texto, ficará errado, inadequado ao consumo, validade vencida. Com que intuito se produz esse desperdício de bilhões de exemplares de livros que de um dia para outro restarão anacrônicos? Já imaginou, leitor, quantas árvores terão que ser abatidas a golpes de ortografia para refazer todo o material didático nacional? Será que ainda não dá para abortar esse absurdo?

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